12 de setembro de 2016

Um conto realista

Gênero: "Realismo" (eu acho?)

"Clay, é como me chamam, às vezes. Meu verdadeiro nome não é tão importante assim. Assim como também não é importante a data de quando tudo isso começou, mas apenas importante o fato de ter acontecido."

Este é um conto realista.
 






Clay, é como me chamam, às vezes. Meu verdadeiro nome não é tão importante assim. Assim como também não é importante a data de quando tudo isso começou, mas apenas importante o fato de ter acontecido. Até porque eu sinceramente não me lembro quando comecei a ouvir os pensamentos das outras pessoas.
Não era constante, no começo. Um pensamento aqui e outro ali. Mas eu percebi que era capaz de dizer o que as pessoas estavam pensando, apenas de olhar para elas.
Quando me dei conta de ter obtido tal poder, também me dei conta de que estava desperdiçando minha vida. Sempre tentei ser a melhor pessoa possível, sabe. Agradar a todos, fazer todos ao meu redor felizes, ser uma pessoa positiva e de bom humor. Não é uma tarefa fácil, pois muitas vezes por dentro eu era uma pessoa completamente diferente. E quanto mais eu agradava os outros, mais os outros se aproveitavam de mim. Como isso pode ser justo?, eu me perguntava. Tanta gente por aí apenas quer tirar vantagem dos outros, e eu era usado e abusado, por tantas pessoas em minha vida. Por que deveria continuar sendo essa pessoa bondosa de sempre? Tantos filmes por aí, tantas histórias onde pessoas com poderes conseguem fama e fortuna, poder... E eu aqui ainda sofrendo com as atitudes dos outros, mesmo sendo totalmente único no mundo? Isso precisava mudar. Meu poder veio por uma razão. Eu sou único por uma razão, então tudo bem se eu não agir como todo mundo espera que eu aja, não é mesmo?
Mas como obter sucesso? Não conheço ninguém famoso ou rico. Já vi vários mágicos na TV que adivinham as cartas das pessoas, ou os números que elas estão pensando... e isso nunca deu em nada. Como era mesmo o nome desses caras? Onde eles estão agora? Bah, melhor pensar em algo mais eficaz. Do que eu realmente preciso para ter sucesso? Dinheiro é claro. Sempre foi e sempre será a forma mais eficaz de se obter aquilo que você quer. Aqueles que dizem que dinheiro não compra felicidade são aqueles que nunca tiveram muito dinheiro, tenha certeza.
Dinheiro, dinheiro... Como conseguir dinheiro adivinhando o que as pessoas pensam? Poderia fingir ser um médium que adivinha a sorte das pessoas, quando na verdade apenas digo o que elas estão esperando ouvir? Mas isso não me traria MUITO dinheiro. E eu quero muita grana. Eu sou único, eu mereço isso. Las Vegas? Meu poder seria inútil com máquinas de cassino. Mas... talvez com jogos de carta, não é mesmo?
***
Mais uma carta e... pronto, todos receberam suas cartas. Não adianta ler os pensamentos do rapaz à minha frente, pois ele nem vê as cartas que entrega. Devo focar nos jogadores ao meu lado. Este senhor não está muito feliz com as cartas que recebeu, posso ouvir suas reclamações, aqui dentro de minha cabeça. Elas soam como minha própria voz, mas isso é natural pois ainda não ouvi a voz dele, e pensamentos não possuem voz, apenas intenções, logo os pensamentos dos outros só soam como eles mesmos após eu ter ouvido suas vozes.
- Eu aumento a aposta! – diz o jogador do meu outro lado, um senhor com seus cabelos já ficando grisalhos, colocando sua última pilha de fichas na mesa.
Ele parece feliz demais pro meu gosto. Bela atuação parceiro, mas nós dois sabemos que você está blefando, não é mesmo? Já devo ter ganho uns 10 mil, mas eu quero mais. Eu quero tudo.
- Eu pago pra ver, neste caso – digo, colocando todas as minhas fichas na mesa.
Minha mão nem é tão boa assim, se você entende de poker, eu tenho apenas dois pares. Com uma jogada daquela, eu deveria ter no mínimo um full house. Mas eu sei que meu amigo ao lado não tem absolutamente nada, então estou confiante.
As cartas são viradas e, não para minha surpresa, eu estava certo. Todas as fichas vem para mim. Nunca tive tanta grana na vida assim de uma vez, me sinto ótimo. Mas assim como nos filmes, não devo dar muita bandeira em um só cassino para não levantar suspeitas, então vou encerrar meu jogo por aqui. Enquanto me encaminho ao guichê para receber meu dinheiro, o senhor do blefe, que perdeu todo seu dinheiro, me aborda, surpreendentemente sorrindo, como se nem ligasse pro fato de ter perdido tanto dinheiro de uma só vez.
- Olá, meu jovem. Ótimo jogo você fez! – sua voz soava um pouco mais velha do que sua idade aparentava, provavelmente ele era fumante.
Agradeço relutante, porém não quero me demorar muito ali, nem dar muita bandeira, pois estou arriscando ser descoberto.
- Infelizmente nesses cassinos existem muitas restrições, não posso nem mesmo fumar aqui dentro, haha – ele diz, mas seus pensamentos dizem que ele está irritado por ter perdido seu dinheiro e quer encontrar uma maneira de recuperá-lo. Eu não posso culpá-lo, claro. Agora ele pensa “venha comigo”, e eu fico preparado para correr assim que saír do cassino.
-  Pois é! Escute senhor, eu...
- Pode me chamar de Larry – disse, estendendo a mão.
- Eu sou o Clay – disse, apertando sua mão. - Pois então, Larry, eu já estou de saída – meus sentidos aguçados me dizem para cair fora o quanto antes.
- Certo, certo. Mas se você estiver interessado em um joguinho mais alto e mais interessante, me procure – disse, estendendo seu cartão.
“Venha e assim poderei recuperar meu dinheiro, seu filho da mãe”, era o que ecoava em minha mente. Então ele se foi.
Larry Corningham, diretor executivo de uma grande empresa farmacêutica. Belo cartão, senhor mal perdedor. Ele não tinha perdido muito dinheiro, para um figurão como ele aquilo não era nada, ele apenas não gostava de perder. Mas não iria procurá-lo, afinal de contas não posso arriscar ser descoberto tão cedo e por tão pouco.
***
Este já é o quarto cassino que eu saio, já faz uma semana que estou em Vegas. Até agora consegui pouco mais de 150 mil, e já gastei um monte na suíte presidencial e com outras coisinhas, de gente rica. O esquema é legal mas muito trabalhoso, ficar indo de cassino em cassino, escolhendo as mesas para jogar, esperando as pessoas apostarem a cada rodada, ir ganhando de pouco em pouco. Ainda não consigo controlar todo o meu poder, e isso às vezes faz com que eu perca um pouco de dinheiro em algumas rodadas, mas sinto ele aumentando a cada dia. Consigo adivinhar o que as pessoas pensam quando me veem nos hotéis ou nas boates, e também coisas aleatórias que elas pensam. Geralmente estão pensando naquilo que precisam fazer mais tarde e estão distraídas com o que estão fazendo no momento. Também pensam em mentiras, em como mentir sobre o que estão fazendo de verdade, ou pensam em roubar os produtos que estão segurando, mas desistem quando pensam no que aconteceria se fossem pegas. E em comida. Meu Deus, como as pessoas pensam em comida! Às vezes fico até com fome só de ouvir tantos pensamentos de comidas deliciosas, por aí. Mas já tenho muita grana eu não passo mais vontade; vou a caros restaurantes, é um luxo que eu tenho direito.
***
Não tenho mais paciência para migalhas, preciso de um novo esquema. Preciso de mais. Preciso ter tanto dinheiro a ponto de, quando chegar a perder, nem sentir falta, como aquele cara. Como era mesmo o nome dele? Larry alguma coisa, diretor executivo. Isso sim é ter grana. Ele deve ter carrões e tudo. Será que ele apostaria um de seus carros num joguinho amigável?
O telefone já estava na minha mão enquanto segurava aquele cartãozinho, agora amassado, que resgatei do bolso da minha antiga calça, que substituí por uma de grife, feita sob medida.
- Alô, senhor Larry... Corningham? Aqui é o Clay, do...
- Ah, olá Clay Sortudo! Do cassino, sim eu me lembro – claramente ele se lembrava de alguém que tinha lhe tirado tanta grana.
- Pois é, sou eu mesmo. Você perguntou se eu tinha interesse em uma jogatina mais interessante e mais alta, do que o senhor estava falando?
- Bom, meu caro, acontece que eu faço parte de um pequeno grupo de jogadores de poker. Só gente grande, vários figurões cheios da grana. Você está interessado?
Meu poder ainda não funcionava muito bem quando eu não podia ver a pessoa, mas eu posso jurar que seus pensamentos dizem “por favor por favor por favor”. Chega a ser patético, pra ser sincero.
- Sim, eu tenho interesse sim.
- Bom, nós temos um joguinho marcado para este final de semana, no cassino Lucky Man, o que acha? É um local neutro, com seguranças e tudo. Pertence a um amigo nosso e por isso temos privacidade e um local reservado. Posso esperá-lo por lá, às 8 horas do sábado?
Um cassino de um amigo? Os seguranças trabalham pra eles, ou seja, eu não teria segurança nenhuma. Isso é perigoso. Mas até um certo ponto terá pessoas ao redor, eu poderia desistir de entrar no tal local reservado se perceber que eles estão armando para mim.
- Claro, claro, estarei lá.
Até sábado terei tempo suficiente de passar em mais alguns cassinos e levantar mais grana. Depois de ganhar algum carrão e ainda mais grana nesse jogo eu irei me mandar daqui e inventar algum plano novo pra conseguir ainda mais dinheiro.
***
Terno e sapatos importados, agora sim me sinto um figurão. 3 milhões já, realmente é mais fácil ganhar dinheiro quando se tem dinheiro. Embora por duas vezes eu tenha perdido todas as minhas fichas ao apostar de uma vez quando meu poder falhou, consegui recuperar depois. E isso já faz dias, meu poder não tem falhado mais desde então.
Lá está ele, próximo aos caça-níqueis, olhando ao redor procurando por mim.
- Larry Corningham, nos encontramos novamente – digo, tentando soar amigável. Sua aparência é confiante mas seus pensamentos dizem que ele está nervoso ao me encontrar e me ver tão bem vestido e confiante. Ele não quer apenas recuperar seu dinheiro, mas ganhar tudo o que eu tiver.
- Clay Sortudo, aqui está você. Tive minhas dúvidas se realmente viria. Nós nos reunimos nos fundos, venha comigo – diz ele, sorridente. Um sorriso um tanto suspeito, pra ser sincero, mas seus pensamentos estão no jogo que está porvir.
- Você não está me levando para uma armadilha não, né? – pergunto despreocupadamente, mas com os sentidos aguçados para seu pensamento.
- Claro que não, haha! – responde ele, num tom um pouco alto demais, mas seus pensamentos dizem “a única armadilha vai ser você perder todo seu dinheiro em um jogo”.
- Vocês apostam apenas com fichas? Ou também apostam carros, propriedades e outras coisas de valor? – esse é meu verdadeiro plano, quero algo veloz, quero sentir o vento em meu rosto enquanto sigo para a próxima aventura.
- Oh não, nós não usamos fichas, apenas dinheiro. E em alguns casos também aceitamos Porshes, BMWs e mansões, se esse for o seu caso? – Ele pensa que talvez vá ganhar não apenas meu dinheiro mas também minhas posses.
- Quem sabe? Em todo caso, já troquei meu dinheiro em fichas...
- Não tem problema, trocaremos direto no guichê e já vamos por ali.
Seguindo até o guichê, posso ouvir os pensamentos das pessoas se perguntando quem eu sou, que devo ser alguém famoso ou importante. E sim, é claro que eu sou importante. Clay “Sortudo”, haha, claro. Exceto que ler pensamentos é meu verdadeiro trunfo, minha verdadeira carta na manga. Por precaução ainda ouço os pensamentos do Larry, e ele apenas pensa em qual deve ser meu carro e como é minha casa, e se eu chegaria a apostar minhas posses depois de perder todo meu dinheiro. Vamos ver quem vai perder tudo, senhor diretor executivo.
Pego meus suados milhões em uma maleta e seguimos para uma discreta porta nos fundos.
- Os seguranças deste pedaço não usam ternos, eles se disfarçam de jogadores comuns, para não chamar atenção. Não queremos ninguém de olho no nosso joguinho particular, não é mesmo?
- Sim, claro. Faz sentido – pude notar Larry acenando a cabeça ligeiramente para um rapaz alto e forte, com uma camiseta havaiana, parado ao lado de uma porta, bem aos fundos do cassino, onde não chamava muita atenção. Ele acenou de volta e abriu a porta discretamente. Seus pensamentos avaliam se eu teria muita grana e que ele gostaria de ser como eu.
Passamos pela porta para um local mal iluminado, com uma porta lateral simples, fechada, e uma outra logo em frente, daquelas portas corta-fogo. Era uma saída discreta, provavelmente para os jogadores saírem com suas posses depois do jogo. Olho para trás e noto que o segurança também havia entrado ali, fechando a porta atrás de si.
- Ele deveria mesmo estar aqui? – pergunto olhando do brutamontes atrás de mim para Larry, logo à minha frente.
- Agora, vamos passando essa maleta lustrosa que você está segurando, Clay Sortudo – Larry responde, enquanto seu “segurança” levanta uma pistola com silenciador.
Ele sabe. Ele percebeu meu esquema e conseguiu uma maneira de bloquear seus pensamentos. Ele estava pensando coisas diferentes propositalmente, pois sabia que eu ouviria seus pensamentos. Ele sabe quem eu sou de verdade, este é meu fim. Ele vai me matar mesmo se eu der a minha maleta... a minha maleta, é isso.
Com toda minha força, giro a maleta rapidamente para acertar a mão do cara que está apontando a arma pra mim. Se ele conseguisse ler os meus pensamentos eu estaria perdido, mas como não pode, o elemento surpresa me ajuda, e a arma voa de sua mão.
Ainda no momento em que eles foram pegos de surpresa, me jogo contra aquele maldito Larry e o derrubo com o ombro esquerdo, minha mão direita ainda segurando a maleta. Corri para  porta atrás dele, a abro e saio num beco atrás do cassino. Começo a correr para a rua mais próxima, onde há algum movimento.
- Pega ele! – posso ouvir Larry gritando para seu comparsa, enquanto os ouço correndo atrás de mim.
Ele deve ter disparado algumas vezes, pois alguns caixotes ao meu lado de repente caem. Corro para trás de uma das grandes lixeiras no canto, e recupero meu fôlego. Posso ouvir seus passos vindo atrás de mim, agora mais lentamente.
- Entregue a grana e deixaremos você ir embora, Clay – mas seus pensamentos dizem “Mate logo esse maldito antes que ele fuja”, enquanto eles se aproximam.
A rua está apenas há 10 metros, eu precisaria correr até lá e depois pegar um taxi, ou então entrar em alguma loja, algum lugar onde pudesse me esconder. Eu sei que tem uma grande loja de equipamentos esportivos logo ali do lado. Provavelmente terá um detector de metais na entrada, eles não poderiam me seguir ali. A loja tinha uma segunda saída, por onde eu posso sair e então seguir meu caminho. Este esquema de cassinos é muito arriscado, eu precisava de um novo, droga.
- Conhecer meu segredo não vai te ajudar em nada, Larry!
- Segredo? Do que você está falando?
Levanto e saio correndo e, como esperado, posso ouvir o barulho das balas restantes acertando a lixeira e os caixotes ao meu redor.
- Volta aqui seu desgraçado! – grita Larry. Ele sabe que eu vou fugir.
Também posso ouvir os pensamentos do atirador, acabaram suas balas. Só faltam 5 metros até a rua.
Mas que diabos? Tropecei? Caído no chão, estou sentindo uma dor forte, no peito. Minha vida não está passando diante dos meus olhos, eu não posso ter levado um tiro. A maleta caiu à minha frente e abriu, posso ver meu suado e merecido dinheiro. Parece que vou desmaiar, a vista está escurecendo. Vou acordar num hospital e eles vão ter levado minha grana, droga. Vou ter que começar tudo de novo e inventar um

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