15 de junho de 2011

A Mulher Perfeita

Gênero: Policial.

      " Um investigador especialista em solucionar casos de Serial Killers está passando por uma fase difícil. O amor da sua vida terminou o relacionamento, e um caso importante apareceu. Tensão de todos os lados, a cabeça de Nunes será o palco desta história."


A Mulher Perfeita

Ribeirão Preto, 19 de fevereiro de 2001, 07h32min.
            Eu amava tanto ela. Ainda amo, pra dizer a verdade. Com seus longos cabelos pintados de vermelho, não há mulher mais perfeita neste mundo.  Mas esta aqui até que é parecida. Ou nem tanto. Por que será que mataram ela? Uma moça tão jovem... Tão jovem quanto eu ou a Ângela. Mas não posso mais ficar pensando nela, afinal de contas, já faz duas semanas que ela terminou comigo e ela nem sequer retornou minhas ligações. Ainda não consigo entender como ela pôde fazer isto comigo! Eu sempre tentei ser o melhor namorado do mundo. Mesmo quando ela brigava comigo eu sempre concordava com ela. Sempre fiz as vontades dela. Aí ela vem e me diz que não me quer mais, que quer alguém com mais autonomia, alguém de opinião, alguém mais...
            - Acorda, Nunes! Ta parado aí faz dez minutos! Conseguiu achar alguma pista?
            - Oi? Pista? Ah, não. Ainda não...
Droga, preciso me focar no meu trabalho. A cena de um crime não é lugar para viajar em pensamentos sobre ela... E sim sobre essa moça morta, sem os pés. Afinal de contas, porque diabos alguém iria matar uma moça e cortar fora seus pés? E não só cortar os pés, mas levar o corpo pra outro lugar, pois aqui não há aparências de ter sido o local do crime. O resultado da perícia sai em breve, melhor esperar para poder falar qualquer coisa.
- Chefe, não adianta nada eu ficar aqui.
- Por quê?!
- Porque não há pistas aparentes. Vou dar uma pensada na delegacia até sair o resultado da perícia. Enquanto isso eu analiso o caso das outras vítimas.
- Vá logo então, Nunes. Precisamos do seu talento neste caso.
É, precisam mesmo. Nenhum de vocês consegue pensar direito, bando de burros. Aposto que é mais um maluco querendo aparecer na televisão. Vou logo pra delegacia.
Ufa, não aguentava mais a pressão daquela cena do crime. Todo mundo sempre fica me olhando, esperando que eu vá dizer um nome.
Ainda bem que esta cidade não é tão movimentada. Nem tão pouco, também. Mas se comparada às grandes metrópoles... Essa cidade é do jeito que eu gosto: perfeita. Quase que nem a Ângela... Ela não era perfeita, mas era quase! Ângela... Mas eu preciso pensar no caso. Esta já é a terceira vítima! Por isso que me chamaram. A partir da terceira já é um assassino em série, o famoso serial killer. Numa cidade de interior, isso é uma notícia e tanto. O que reforça minha teoria de que esse cara só está querendo aparecer. Não há tanta coisa em comum entre as vítimas. São mulheres, cuja idade varia de 20 a 28 anos, que foram vistas pela última vez saindo do trabalho, e encontradas na manhã seguinte jogadas em algum lugar, faltando alguma parte do corpo. A primeira estava sem os braços, a segunda sem as pernas, e esta sem os pés. O mais estranho é que a segunda vítima foi encontrada com seus pés ao lado do corpo... Opa, a padaria está aberta! Vou tomar um gole de café antes de ir pra delegacia.
Lembro quando vinha aqui com a Ângela... Velhos tempos...
- Oi, eu queria uma xícara de...
- Bom dia, seu Eduardo!
- Bom dia, eu queria...
- Uma xícara de café saindo, no capricho!
Que mulher animada. O que será que deu nela? Todo dia ela é assim. Se ela realmente tivesse tanto motivo pra animação ela não estaria trabalhando numa padaria...
- Não vai querer um pingado, um pãozinho?
- Não, só o café puro mesmo.
O café não é tão bom, mas pelo menos vai me manter acordado. Estou com tanto sono! Ultimamente tenho tido insônia, mas vez ou outra eu tenho dormido até demais. Mas não quero comer nada mesmo, estou bem assim.
- É um e cinquenta, moço.
Caramba, é permitido um decote deste tamanho numa padaria?!
- Aqui está.
Nunca tinha reparado em como ela era peituda. Meu Deus... Acho que porque eu estava com a Ângela...
Bom, voltando pro carro, voltando pro caso. Qual a relação entre estas três vítimas? Pelas informações que eu peguei da última, ela era recepcionista de uma loja de esportes, no Ribeirão Shopping. Saiu por volta das dez e meia, e foi encontrada hoje cedo. A segunda era caixa de um supermercado. Em apenas uma noite o assassino seqüestrou, matou, esquartejou e abandonou o corpo sem pistas. Foi assim com as duas, e deve ter acontecido deste jeito com esta última. Se é que ela vai ser a última. Até agora não tem nenhuma digital, não tem nada!
Maldita delegacia, não sei o que eu to fazendo aqui. Qualquer hora ainda saio dessa droga de emprego.
- Inspetor Nunes, como vai?
Lá vem o idiota.
- Ocupado com o caso do bandido do serrote, é claro. Houve mais uma vítima hoje.
- Ah sim, é verdade. Espero que consiga pegá-lo!
Não diga!
- Eu também.
- Já tem alguma pista?
Desapareça da minha frente.
- Só algumas suposições.
Não me encha o saco.
- Ah entendo...
Porque você não morre?
- Preciso ir trabalhar.
- Tudo bem, então tchau...
Ele acha que eu tenho ouvidos biônicos? Ou é burro mesmo? Já estou a 10 metros de distância dele e ele ainda está falando. Acho que é a segunda opção.
Maldição. Esse assassino é muito bom. Ele não deixou nada para trás, nenhuma pista, nenhuma bituca de cigarro, nada! Chegando em casa eu vou ligar pra Ângela de novo...
Ribeirão Preto, 20 de fevereiro de 2001, 05h30min.
            Despertador maldito. Ainda te jogo pela janela, você vai ver.
Acho que vou comer um pão hoje... Não jantei ontem de novo. Fome eu até sinto um pouco. O que não tenho é apetite.
Que saudade da época que a Ângela dormia aqui em casa. Era tão bom acordar e ver seu lindo rosto bem pertinho do meu! Ah, que rosto perfeito!
*          *          *
- Hoje vou aceitar o pão também.
- Ta legal, saindo um pãozinho com manteiga no capricho!
Ainda tenho dúvidas se esse decote é permitido... Mas ela realmente tem um corpo muito bonito. Mas eu ainda prefiro a Ângela.
*          *          *
            - O resultado da perícia saiu, e não tinha digitais nem marcas que pudessem ajudar na investigação. As únicas marcas são no pescoço, algo que poderia ser uma corda, utilizada pra sufocar as vítimas.
            - Isso é tudo, Nunes?
            - Até agora sim, senhor.
            - Pro inferno! Já faz mais de duas semanas que este maníaco está a solta e você não consegue descobrir quem é ele?! Você não era o sabido, o inteligente? Ache as pistas, Nunes! Ache-as! Ou então o que você vai achar é a porta da rua!
Filho da puta! Você acha que é só procurar debaixo de uma cadeira que eu vou achar a identidade do assassino? Ignorante! Idiota! Gordo maldito, vá gritar com a puta da tua mãe!
- Eu irei encontrar algo, senhor.
-Acho bom mesmo, Nunes. E logo.
Ainda saio deste emprego maldito...
*          *          *
Dia comprido. Parecia que não ia mais acabar. Só quero saber da minha cama. A porta ta emperrada de novo?  Só podia ser comigo mesmo.
Quase derrubo a porta. Parabéns, Eduardo, vai quebrar a porta mesmo. Queria ver o que eu iria fazer. Bom, adeus mundo, estou indo dormir.
Ribeirão Preto, 21 de fevereiro de 2001, 07h23min.
Esta não é a garota da padaria?! Oh, meu D...
- Nunes, se não tem estômago pra ver essas coisas devia largar este emprego.
- Eu estou bem. É que eu já vi esta garota antes. Ela trabalhava numa padaria perto da minha casa...
Não consigo olhar, simplesmente não consigo. Se não outras faltavam partes do corpo, desta vez o que sobra são as partes. Os braços e as pernas... eu poderia ver isso sem passar mal. Mas a cabeça...
            - Vou sair daqui, preciso pensar, chefe.
- Vê se pensa em alguma coisa útil, Nunes!
Vou pensar na sua mulher, Gomes, seu gordo fedido.
            Eu conhecia essa garota. Trabalhava na padaria, sempre alegre, sempre contente. Não deve ter causado mal pra ninguém. Preciso ir pra delegacia... estou sentindo que sem alguma coisa em comum com essas garotas que eu ainda não percebi.
            Hoje não tem café pra me manter acordado... A padaria está fechada... Coitada da moça...
            Sala trancada. Ninguém pra me encher o saco. Ótimo. Aqui estão a foto das três primeiras vítimas. São garotas comuns... nem são tão bonitas. Bom, a da padaria tinha uns peitos que... Que estavam faltando no corpo. Não pense nisso, Eduardo, não pense nisso Eduardo. Ufa, estou bem. O que foi arrancado das outras? Pernas... mas sem os pés. Da outra foi arrancado os pés... E da primeira os braços. Agora o tronco... Espera aí. Eu já pensei nisso, claro. Como se alguém estivesse pegando partes diferentes, até completar um corpo inteiro. Uma coisa meio Frankenstein. É foi por isso que eu descartei a ideia, é ridícula demais. Mas essa é a única pista. A garota da padaria perdeu a parte que mais se destacava nela... Isso realmente é um padrão. Este cara está construindo a garota perfeita. É isso mesmo? A garota perfeita? Que cara idiota. Maluco. Como se pegar partes de corpos diferentes pudesse fazer um ser humano perfeito. Como se existisse alguém perfeito... Além da Ângela, claro. Não consigo mais tirar ela da minha cabeça... Ela não te quer mais. Ela te abandonou, Eduardo. Conforme-se. Volte para o assassino. Anote tudo isso que você pensou. Isso, agora tranque bem isso na sua gaveta. Você já tem bastante coisa para pensar, volte pra casa, relaxe e pense com calma. Mas eu estou com tanto sono... Acho que se eu tirar uma soneca aqui não vai ter muit...
*          *          *
            Caramba! Seis da tarde? Ninguém nem veio me chamar? Ainda por cima parece que eu não dormi nada, nossa... Bom, vou para casa. É melhor eu levar minha anotações, para garantir. Cadê a chave da mesa? Ué, pensei que estava neste bolso... Ah sim, ta no bolso da jaqueta. Deixa eu pegar logo isso e... O quê?! Como assim? Cadê o papel que eu deixei aqui?! Eu tenho certeza, eu guardei ele aqui! Alguém deve ter entrado na minha sala e roubado, só pode!
*          *          *
            Ainda não posso acreditar que me roubaram lá na delegacia! Ainda por cima não levaram nada de valor... Isso sim é estranho. É como se soubessem o que eu havia descoberto e anotado no papel, pois era a única coisa que estava faltando! Deixa só eu checar minha secretária eletrônica, e pegar qualquer coisa pra comer... Uma nova mensagem, vamos ouvir.
            - Oi Du, é a Ângela!
O quê?!
- To ligando só pra confirmar nosso encontro hoje a noite. Ta de pé, né? Qualquer coisa me liga! To te esperando as oito e meia aqui em casa! Não esquece dos ingressos, hein! Beijo!
... Isso foi um trote, né? Não, claro que não! Você reconheceria esta voz até debaixo d’água. Era ela. Mas eu não marquei nenhum encontro. Eu saberia. Com certeza. Tem alguém se passando por mim. Meu Deus, vão pegar a Ângela. Ela é a próxima vítima. Se acalma, Eduardo. Pense com clareza. Tente lembrar se você viu alguém com atitude suspeita hoje. Mas ta difícil de lembrar de tudo que aconteceu hoje. Na verdade ultimamente tem sido meio difícil se lembrar das coisas. As vezes parece que eu tenho uns lapsos de memória. Que nem quando a Ângela terminou comigo... Me lembro de ter bebido com o Cleiton, lembro até de ter falado que iria procurar outra mulher, a mulher perfeita. Eu disse isso e sai do bar. Daí eu... Eu... Eu não lembro bem... Eu lembro que eu acordei com meu chefe me ligando e gritando no meu ouvido pra eu me apressar para verificar uma ocorrência. E que ocorrência. A mulher sem braços. Nossa, ela trabalhava perto do Bar do Zeca, lá na Presidente Vargas, naquela lotérica. E a segunda morava perto daqui, uns três quarteirões! Mas a terceira não tinha nada... Que horas são? Sete e meia? Eu vou me encontrar com a Ângela daqui a pouco e ainda nem me arrumei! Epa, epa, calma aí. Vou ligar pra Ângela agora. Droga, demorei demais pra ligar. Espero que esteja tudo bem.
- Ângela?
- Oi Du. Algum problema sobre hoje à noite?
- Sim. Ângela, não foi eu que marcou o encontro com você! Você está correndo perigo!
- Eduardo, você já começou a beber? Não acredito!
- Estou falando sério, deve ter alguém se passando por mim!
- Eduardo, foi você quem marcou da gente se encontrar hoje à noite.
- Como você sabe que era eu?
- Porque você marcou pessoalmente.
-... Quando?
- Hoje à tarde... Não se lembra?
Hoje à tarde?!
- Não, eu... Estou meio confuso...
- Eduardo, fique sóbrio, depois você me liga. Tchau
- Espera, eu..
Droga. Ainda levei um fora. Ridículo isso. Mas... Eu não me lembro o que eu fiz de tarde, hoje. Aliás eu me lembro sim, eu dormi. Eu dormi e passei a tarde inteira na delegacia. E enquanto eu dormia... Roubaram a chave do meu bolso dentro da delegacia, e sumiram com o papel onde eu anotei as pistas do caso... Mas eu tranquei a porta. Alguém iria ver alguma coisa, se tentassem arrombar uma sala dentro da delegacia! E a Ângela falou que eu falei com ela pessoalmente... Hoje. De tarde. No horário em que eu estava dormindo...
Não. Isso é ridículo demais. Eu não posso ter um surto psicótico, dupla personalidade, ou seja lá o que isso quer dizer. Que sono! Isso não passa! Está só piorando. Será que eu mesmo fiz tudo isso? Tirei os papéis da gaveta e fui falar com a Ângela? Mas por quê? Não faz sentido... Que sono... Que  poltrona confortável... Espera, não durma. Tem um assassino a solta na cidade e alguém se passou por você para chegar até a Ângela. O que a terceira garota tem em comum com as outras? Não consigo pensar em nada... Ângela, eu...
*          *          *
            Dormi? Droga! O que é este bilhete na mesa?!
“Parabéns, sabichão. Você desvendou o mistério...”
            Esta caligrafia é a minha?!
            “... é um feito e tanto, então te ajudarei com a terceira garota. Ela na verdade era uma prostituta. Claro que ninguém sabia, ela escondia isso muito bem. Mas ela tinha as pernas mais perfeitas que você já viu na sua vida. Melhores que as da Ângela, admita.”
            Eu matei essas garotas. Eu matei elas. Oh, meu Deus, eu sou o assassino. Qual o meu motivo? Eu queria a garota perfeita? Mas a Ângela é a garota perfeita.  A Ângela é... é a pessoa que me contou que eu a convidei para sair. E ela ia. Porque a mudança repentina? Fico feliz, mas isso é perigoso. Eu matei aquelas garotas. A Ângela tem o rosto mais perfeito de todos. Meu Deus.
- Alô, Ângela?
- Está sóbrio?
- Sim, estou.
- Então diga.
- Fiquei curioso... Por que a mudança repentina comigo? Você não estava retornando minhas ligações e tudo...
- Você mesmo disse para que eu fizesse isso! Sóbrio uma ova! Você não se lembra mais das coisas que faz?! Você me disse: “Estou mudado, Ângela, deixe-me te provar”. Eu disse “ok, vamos tentar” e você diz que precisa de um tempo para refletir e mudar para melhor. Que mesmo que você tivesse recaídas, para eu só me comunicar com você quando você viesse até meu trabalho conversar comigo. Você disse hoje que estava pronto, e agora nem se lembra de nada?!
Não sei o que dizer.
-Ângela, eu... Eu... Alô? Ângela?
Droga. Maldição. Tudo está errado. Eu disse pra ela ficar longe de mim. Eu sou o assassino que eu mesmo estou procurando. Bom, pelo menos isso explica a falta de provas. Eu nunca deixaria uma prova que eu mesmo fosse achar. Idiota. Isso não é hora para pensar nisso. Fatos. Você é o assassino, e representa perigo para a Ângela. Só há uma solução. Vou me entregar para a polícia. Que sono... Qual era mesmo o número do Gomes? Não, fique acordado! Droga, não consigo, eu...
*          *          *
            Eu apaguei. Eu ia ligar pro Gomes e apaguei. Eu não vou conseguir me entregar pra polícia. Ele não vai deixar. Ele está dentro de mim, me vigiando. Mensagem no celular? Ângela?!
“Tudo bem, eu te desculpo. Mas venha logo então”
Ele esta indo matá-la. Eu estou indo matá-la. Não conseguirei me entregar. Só tenho uma escolha então. Eu nunca vou matar a Ângela. Eu ainda a amo. Amo o suficiente para preferir que ela viva, e não eu. Rápido, dentro da gaveta da cômoda na sala. Está sempre carregada. Droga, o sono não, o sono não! Aqui, pronto! Destravei! Sono, não! Vou apagar sim, mas agora será a última vez!
*          *          *



Ribeirão Preto, 22 de fevereiro de 2001, 05h30min.
            Na casa de Eduardo Nunes, o despertador toca. Ninguém desliga.

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            O investigador Nunes nunca mais irá aparecer na delegacia.

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            Ângela Vieira nunca mais irá aparecer mais no trabalho.

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            Em uma casa alugada, em algum lugar da cidade, braços, pernas, pés e tronco estavam costurados juntos.

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Eduardo amava tanto Ângela. Ainda ama, pra dizer a verdade. Com seus longos cabelos pintados de vermelho, haverá mulher mais perfeita neste mundo?

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