"Clay, é como me chamam, às vezes. Meu verdadeiro nome não é tão importante assim. Assim como também não é importante a data de quando tudo isso começou, mas apenas importante o fato de ter acontecido."
Este é um conto realista.
Clay, é como me
chamam, às vezes. Meu verdadeiro nome não é tão importante assim. Assim como
também não é importante a data de quando tudo isso começou, mas apenas
importante o fato de ter acontecido. Até porque eu sinceramente não me lembro
quando comecei a ouvir os pensamentos das outras pessoas.
Não era
constante, no começo. Um pensamento aqui e outro ali. Mas eu percebi que era
capaz de dizer o que as pessoas estavam pensando, apenas de olhar para elas.
Quando me dei
conta de ter obtido tal poder, também me dei conta de que estava desperdiçando
minha vida. Sempre tentei ser a melhor pessoa possível, sabe. Agradar a todos,
fazer todos ao meu redor felizes, ser uma pessoa positiva e de bom humor. Não é
uma tarefa fácil, pois muitas vezes por dentro eu era uma pessoa completamente
diferente. E quanto mais eu agradava os outros, mais os outros se aproveitavam
de mim. Como isso pode ser justo?, eu
me perguntava. Tanta gente por aí apenas quer tirar vantagem dos outros, e eu
era usado e abusado, por tantas pessoas em minha vida. Por que deveria
continuar sendo essa pessoa bondosa de sempre? Tantos filmes por aí, tantas
histórias onde pessoas com poderes conseguem fama e fortuna, poder... E eu aqui
ainda sofrendo com as atitudes dos outros, mesmo sendo totalmente único no
mundo? Isso precisava mudar. Meu poder veio por uma razão. Eu sou único por uma
razão, então tudo bem se eu não agir como todo mundo espera que eu aja, não é
mesmo?
Mas como obter
sucesso? Não conheço ninguém famoso ou rico. Já vi vários mágicos na TV que
adivinham as cartas das pessoas, ou os números que elas estão pensando... e
isso nunca deu em nada. Como era mesmo o nome desses caras? Onde eles estão
agora? Bah, melhor pensar em algo mais eficaz. Do que eu realmente preciso para
ter sucesso? Dinheiro é claro. Sempre foi e sempre será a forma mais eficaz de
se obter aquilo que você quer. Aqueles que dizem que dinheiro não compra
felicidade são aqueles que nunca tiveram muito dinheiro, tenha certeza.
Dinheiro,
dinheiro... Como conseguir dinheiro adivinhando o que as pessoas pensam?
Poderia fingir ser um médium que adivinha a sorte das pessoas, quando na
verdade apenas digo o que elas estão esperando ouvir? Mas isso não me traria
MUITO dinheiro. E eu quero muita grana. Eu sou único, eu mereço isso. Las
Vegas? Meu poder seria inútil com máquinas de cassino. Mas... talvez com jogos
de carta, não é mesmo?
***
Mais uma carta
e... pronto, todos receberam suas cartas. Não adianta ler os pensamentos do
rapaz à minha frente, pois ele nem vê as cartas que entrega. Devo focar nos jogadores
ao meu lado. Este senhor não está muito feliz com as cartas que recebeu, posso
ouvir suas reclamações, aqui dentro de minha cabeça. Elas soam como minha
própria voz, mas isso é natural pois ainda não ouvi a voz dele, e pensamentos
não possuem voz, apenas intenções, logo os pensamentos dos outros só soam como
eles mesmos após eu ter ouvido suas vozes.
- Eu aumento a
aposta! – diz o jogador do meu outro lado, um senhor com seus cabelos já
ficando grisalhos, colocando sua última pilha de fichas na mesa.
Ele parece
feliz demais pro meu gosto. Bela atuação parceiro, mas nós dois sabemos que
você está blefando, não é mesmo? Já devo ter ganho uns 10 mil, mas eu quero
mais. Eu quero tudo.
- Eu pago pra
ver, neste caso – digo, colocando todas as minhas fichas na mesa.
Minha mão nem é
tão boa assim, se você entende de poker, eu tenho apenas dois pares. Com uma
jogada daquela, eu deveria ter no mínimo um full
house. Mas eu sei que meu amigo ao lado não tem absolutamente nada, então
estou confiante.
As cartas são
viradas e, não para minha surpresa, eu estava certo. Todas as fichas vem para
mim. Nunca tive tanta grana na vida assim de uma vez, me sinto ótimo. Mas assim
como nos filmes, não devo dar muita bandeira em um só cassino para não levantar
suspeitas, então vou encerrar meu jogo por aqui. Enquanto me encaminho ao
guichê para receber meu dinheiro, o senhor do blefe, que perdeu todo seu
dinheiro, me aborda, surpreendentemente sorrindo, como se nem ligasse pro fato
de ter perdido tanto dinheiro de uma só vez.
- Olá, meu
jovem. Ótimo jogo você fez! – sua voz soava um pouco mais velha do que sua
idade aparentava, provavelmente ele era fumante.
Agradeço
relutante, porém não quero me demorar muito ali, nem dar muita bandeira, pois
estou arriscando ser descoberto.
- Infelizmente
nesses cassinos existem muitas restrições, não posso nem mesmo fumar aqui
dentro, haha – ele diz, mas seus pensamentos dizem que ele está irritado por ter
perdido seu dinheiro e quer encontrar uma maneira de recuperá-lo. Eu não posso culpá-lo,
claro. Agora ele pensa “venha comigo”, e eu fico preparado para correr assim
que saír do cassino.
- Pois é! Escute senhor, eu...
- Pode me
chamar de Larry – disse, estendendo a mão.
- Eu sou o Clay
– disse, apertando sua mão. - Pois então, Larry, eu já estou de saída – meus
sentidos aguçados me dizem para cair fora o quanto antes.
- Certo, certo.
Mas se você estiver interessado em um joguinho mais alto e mais interessante,
me procure – disse, estendendo seu cartão.
“Venha e assim
poderei recuperar meu dinheiro, seu filho da mãe”, era o que ecoava em minha
mente. Então ele se foi.
Larry
Corningham, diretor executivo de uma grande empresa farmacêutica. Belo cartão,
senhor mal perdedor. Ele não tinha perdido muito dinheiro, para um figurão como
ele aquilo não era nada, ele apenas não gostava de perder. Mas não iria procurá-lo,
afinal de contas não posso arriscar ser descoberto tão cedo e por tão pouco.
***
Este já é o
quarto cassino que eu saio, já faz uma semana que estou em Vegas. Até agora consegui
pouco mais de 150 mil, e já gastei um monte na suíte presidencial e com outras
coisinhas, de gente rica. O esquema é legal mas muito trabalhoso, ficar indo de
cassino em cassino, escolhendo as mesas para jogar, esperando as pessoas
apostarem a cada rodada, ir ganhando de pouco em pouco. Ainda não consigo
controlar todo o meu poder, e isso às vezes faz com que eu perca um pouco de
dinheiro em algumas rodadas, mas sinto ele aumentando a cada dia. Consigo
adivinhar o que as pessoas pensam quando me veem nos hotéis ou nas boates, e
também coisas aleatórias que elas pensam. Geralmente estão pensando naquilo que
precisam fazer mais tarde e estão distraídas com o que estão fazendo no
momento. Também pensam em mentiras, em como mentir sobre o que estão fazendo de
verdade, ou pensam em roubar os produtos que estão segurando, mas desistem
quando pensam no que aconteceria se fossem pegas. E em comida. Meu Deus, como
as pessoas pensam em comida! Às vezes fico até com fome só de ouvir tantos
pensamentos de comidas deliciosas, por aí. Mas já tenho muita grana eu não
passo mais vontade; vou a caros restaurantes, é um luxo que eu tenho direito.
***
Não tenho mais
paciência para migalhas, preciso de um novo esquema. Preciso de mais. Preciso
ter tanto dinheiro a ponto de, quando chegar a perder, nem sentir falta, como
aquele cara. Como era mesmo o nome dele? Larry alguma coisa, diretor executivo.
Isso sim é ter grana. Ele deve ter carrões e tudo. Será que ele apostaria um de
seus carros num joguinho amigável?
O telefone já
estava na minha mão enquanto segurava aquele cartãozinho, agora amassado, que resgatei
do bolso da minha antiga calça, que substituí por uma de grife, feita sob
medida.
- Alô, senhor
Larry... Corningham? Aqui é o Clay, do...
- Ah, olá Clay
Sortudo! Do cassino, sim eu me lembro – claramente ele se lembrava de alguém
que tinha lhe tirado tanta grana.
- Pois é, sou
eu mesmo. Você perguntou se eu tinha interesse em uma jogatina mais
interessante e mais alta, do que o senhor estava falando?
- Bom, meu
caro, acontece que eu faço parte de um pequeno grupo de jogadores de poker. Só
gente grande, vários figurões cheios da grana. Você está interessado?
Meu poder ainda
não funcionava muito bem quando eu não podia ver a pessoa, mas eu posso jurar
que seus pensamentos dizem “por favor por favor por favor”. Chega a ser
patético, pra ser sincero.
- Sim, eu tenho
interesse sim.
- Bom, nós
temos um joguinho marcado para este final de semana, no cassino Lucky Man, o que acha? É um local neutro,
com seguranças e tudo. Pertence a um amigo nosso e por isso temos privacidade e
um local reservado. Posso esperá-lo por lá, às 8 horas do sábado?
Um cassino de
um amigo? Os seguranças trabalham pra eles, ou seja, eu não teria segurança
nenhuma. Isso é perigoso. Mas até um certo ponto terá pessoas ao redor, eu
poderia desistir de entrar no tal local reservado se perceber que eles estão
armando para mim.
- Claro, claro,
estarei lá.
Até sábado
terei tempo suficiente de passar em mais alguns cassinos e levantar mais grana.
Depois de ganhar algum carrão e ainda mais grana nesse jogo eu irei me mandar daqui
e inventar algum plano novo pra conseguir ainda mais dinheiro.
***
Terno e sapatos
importados, agora sim me sinto um figurão. 3 milhões já, realmente é mais fácil
ganhar dinheiro quando se tem dinheiro. Embora por duas vezes eu tenha perdido
todas as minhas fichas ao apostar de uma vez quando meu poder falhou, consegui
recuperar depois. E isso já faz dias, meu poder não tem falhado mais desde
então.
Lá está ele,
próximo aos caça-níqueis, olhando ao redor procurando por mim.
- Larry
Corningham, nos encontramos novamente – digo, tentando soar amigável. Sua
aparência é confiante mas seus pensamentos dizem que ele está nervoso ao me
encontrar e me ver tão bem vestido e confiante. Ele não quer apenas recuperar
seu dinheiro, mas ganhar tudo o que eu tiver.
- Clay Sortudo,
aqui está você. Tive minhas dúvidas se realmente viria. Nós nos reunimos nos
fundos, venha comigo – diz ele, sorridente. Um sorriso um tanto suspeito, pra
ser sincero, mas seus pensamentos estão no jogo que está porvir.
- Você não está
me levando para uma armadilha não, né? – pergunto despreocupadamente, mas com
os sentidos aguçados para seu pensamento.
- Claro que
não, haha! – responde ele, num tom um pouco alto demais, mas seus pensamentos
dizem “a única armadilha vai ser você perder todo seu dinheiro em um jogo”.
- Vocês apostam
apenas com fichas? Ou também apostam carros, propriedades e outras coisas de
valor? – esse é meu verdadeiro plano, quero algo veloz, quero sentir o vento em
meu rosto enquanto sigo para a próxima aventura.
- Oh não, nós
não usamos fichas, apenas dinheiro. E em alguns casos também aceitamos Porshes, BMWs e mansões, se esse for o
seu caso? – Ele pensa que talvez vá ganhar não apenas meu dinheiro mas também
minhas posses.
- Quem sabe? Em
todo caso, já troquei meu dinheiro em fichas...
- Não tem
problema, trocaremos direto no guichê e já vamos por ali.
Seguindo até o
guichê, posso ouvir os pensamentos das pessoas se perguntando quem eu sou, que
devo ser alguém famoso ou importante. E sim, é claro que eu sou importante.
Clay “Sortudo”, haha, claro. Exceto que ler pensamentos é meu verdadeiro
trunfo, minha verdadeira carta na manga. Por precaução ainda ouço os
pensamentos do Larry, e ele apenas pensa em qual deve ser meu carro e como é minha
casa, e se eu chegaria a apostar minhas posses depois de perder todo meu
dinheiro. Vamos ver quem vai perder tudo, senhor diretor executivo.
Pego meus
suados milhões em uma maleta e seguimos para uma discreta porta nos fundos.
- Os seguranças
deste pedaço não usam ternos, eles se disfarçam de jogadores comuns, para não
chamar atenção. Não queremos ninguém de olho no nosso joguinho particular, não
é mesmo?
- Sim, claro.
Faz sentido – pude notar Larry acenando a cabeça ligeiramente para um rapaz
alto e forte, com uma camiseta havaiana, parado ao lado de uma porta, bem aos
fundos do cassino, onde não chamava muita atenção. Ele acenou de volta e abriu
a porta discretamente. Seus pensamentos avaliam se eu teria muita grana e que
ele gostaria de ser como eu.
Passamos pela
porta para um local mal iluminado, com uma porta lateral simples, fechada, e uma
outra logo em frente, daquelas portas corta-fogo. Era uma saída discreta,
provavelmente para os jogadores saírem com suas posses depois do jogo. Olho
para trás e noto que o segurança também havia entrado ali, fechando a porta
atrás de si.
- Ele deveria mesmo
estar aqui? – pergunto olhando do brutamontes atrás de mim para Larry, logo à
minha frente.
- Agora, vamos
passando essa maleta lustrosa que você está segurando, Clay Sortudo – Larry responde,
enquanto seu “segurança” levanta uma pistola com silenciador.
Ele sabe. Ele
percebeu meu esquema e conseguiu uma maneira de bloquear seus pensamentos. Ele
estava pensando coisas diferentes propositalmente, pois sabia que eu ouviria
seus pensamentos. Ele sabe quem eu sou de verdade, este é meu fim. Ele vai me
matar mesmo se eu der a minha maleta... a minha maleta, é isso.
Com toda minha
força, giro a maleta rapidamente para acertar a mão do cara que está apontando
a arma pra mim. Se ele conseguisse ler os meus pensamentos eu estaria perdido,
mas como não pode, o elemento surpresa me ajuda, e a arma voa de sua mão.
Ainda no
momento em que eles foram pegos de surpresa, me jogo contra aquele maldito
Larry e o derrubo com o ombro esquerdo, minha mão direita ainda segurando a
maleta. Corri para porta atrás dele, a
abro e saio num beco atrás do cassino. Começo a correr para a rua mais próxima,
onde há algum movimento.
- Pega ele! – posso
ouvir Larry gritando para seu comparsa, enquanto os ouço correndo atrás de mim.
Ele deve ter
disparado algumas vezes, pois alguns caixotes ao meu lado de repente caem. Corro
para trás de uma das grandes lixeiras no canto, e recupero meu fôlego. Posso
ouvir seus passos vindo atrás de mim, agora mais lentamente.
- Entregue a
grana e deixaremos você ir embora, Clay – mas seus pensamentos dizem “Mate logo
esse maldito antes que ele fuja”, enquanto eles se aproximam.
A rua está
apenas há 10 metros, eu precisaria correr até lá e depois pegar um taxi, ou
então entrar em alguma loja, algum lugar onde pudesse me esconder. Eu sei que
tem uma grande loja de equipamentos esportivos logo ali do lado. Provavelmente terá
um detector de metais na entrada, eles não poderiam me seguir ali. A loja tinha
uma segunda saída, por onde eu posso sair e então seguir meu caminho. Este
esquema de cassinos é muito arriscado, eu precisava de um novo, droga.
- Conhecer meu
segredo não vai te ajudar em nada, Larry!
- Segredo? Do
que você está falando?
Levanto e saio
correndo e, como esperado, posso ouvir o barulho das balas restantes acertando
a lixeira e os caixotes ao meu redor.
- Volta aqui
seu desgraçado! – grita Larry. Ele sabe que eu vou fugir.
Também posso
ouvir os pensamentos do atirador, acabaram suas balas. Só faltam 5 metros até a
rua.
Mas que diabos?
Tropecei? Caído no chão, estou sentindo uma dor forte, no peito. Minha vida não
está passando diante dos meus olhos, eu não posso ter levado um tiro. A maleta
caiu à minha frente e abriu, posso ver meu suado e merecido dinheiro. Parece
que vou desmaiar, a vista está escurecendo. Vou acordar num hospital e eles vão
ter levado minha grana, droga. Vou ter que começar tudo de novo e inventar um
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