26 de abril de 2011

Realidade dimensional

Gênero: Fantasia.


      "Era apenas mais um dia cansativo na vida de Sérgio. Mas sua volta para casa não poderia ser tão simples, quando na dimensão chamada Intersecção uma profecia estava prestes a se concretizar. Nem mesmo os Orks, com "K" por favor, nem mesmo os Goblins ou os Elfos poderiam imaginar que as Trevas da criação do mundo seria o inimigo eminente."


Realidade dimensional

Era apenas mais um dia. A rotina era exaustiva, viajar tanto tempo da escola para casa, de casa para a escola. Mas era uma excelente escola, como seus pais estavam sempre lhe lembrando.
            Sérgio de Oliveira Silva tinha apenas 16 anos. Era um adolescente comum, cursava o ensino médio e, como todo adolescente, acreditava que sua vida não era das melhores. “Vivo cheio de espinhas no rosto, não sou bom em esportes, as garotas não gostam de mim” era o que ele vivia pensando. “E ainda por cima moro longe da escola” e era bem verdade. Sérgio estudava em um renomado colégio particular no centro de São Paulo, mas morava numa cidade próxima chamada Carapicuíba, o que lhe fazia todos os dias viajar de ônibus, trem e metrô. Se não fosse por sua bolsa de estudos, ele poderia estudar perto de casa, mas isso mudaria completamente o rumo dos eventos daquele dia.
Apenas mais um dia, onde ele estava morrendo de sono voltando para casa. Às vezes dormia no trem, ou no ônibus. Não era coisa rara, já que a viagem levava mais de uma hora. Depois de uma exaustiva aula dupla de Física, Sérgio voltava para casa, e começou a cochilar no trem.
- Ei, me soltem seus orcs malditos! – resmungou enquanto dormia. Sérgio era maluco por jogos eletrônicos, de diversos tipos. Pode-se dizer que ele vivia no mundo da lua, sempre imaginando histórias com os personagens dos jogos. Orcs, elfos, dragões e magos eram as criaturas que povoavam seu sonho. E o sonho estava tão intenso, que ele mal percebeu quando o trem passou da sua estação.
- Caramba, que lugar é esse? Droga! Dormi demais! Agora vou ter que voltar pra Carapicuíba, mas que droga!
Sérgio se levantou e aguardou a próxima estação, para pegar outro trem de volta para sua estação. Tão enraivecido que estava, que mal percebeu ele que o maquinista não anunciou o nome da próxima estação, e nem que foi o único a descer nela.
“Onde será que pego o trem pra voltar pra minha cidade...?” – pensou olhando para os lados. “Droga, ainda por cima tem um chiclete grudado no meu tênis!” foi sua reação quando seu pé grudou um pouco no chão. Então se deu conta de onde estava. Era uma estação de trem, sem dúvida. Mas ela estava deserta. Não só deserta, mas também um pouco abandonada, com aparência de que não fosse usada há tempos. Estava procurando por placas de sinalização, quando se assustou com uma voz alta e grave:
- Ei você, parado aí!
Esqueceu-se do chiclete e da raiva. Depois de se recuperar do susto, Sérgio viu que havia uma pequena sala para os seguranças. Foi de lá que veio a voz. Estava esperando que o segurança viesse chamar sua atenção por ter descido em uma estação que estava desativada, ou qualquer coisa do tipo. O que ele não esperava era ver um sujeito magrelo, de pele escura e verde, sair da cabine gritando com ele.
- Quem é você? O que veio fazer aqui? Ei Blow, apareceu um cara aqui, vem ver! – completou se dirigindo para alguém dentro da sala.
Sérgio estava estupefato. Quem era esse cara? Ou melhor, o quê era esse cara? Quem era Blow? Mas logo ele descobriu que Blow era igual ao primeiro sujeito que saiu da salinha. Agora percebeu que ambos usavam uma roupa igual, como se fosse um uniforme ou farda, quebrando um pouco com o terror que lhe tinha ocorrido. “Ainda estou dormindo, só pode” e enquanto pensava isso começou a voltar para perto da linha do trem onde havia descido.
- Estou falando com você, maldito, e fique parado aí senão eu juro que parto seu crânio em dois!
Sérgio não achava mais que estava dormindo.
- Calma Brow, não se esqueça dos procedimentos neste caso! Devemos levar ele para o chefe – disse o cara que saíra da sala por último, enquanto se aproximava de Sérgio. Quem é você, pequenino? Como veio parar aqui? – disse num tom de voz amigável.
- Meu nome é Sérgio. Eu... estava no trem, e... eu dormi demais, eu nunca vim aqui... eu só...
- Calma, humano! Nós não vamos comer você! Aposto como nunca viu Goblins, não é mesmo?
- G-Goblins?
- Há há há! Está vendo, Brow? É só uma criança humana!
- Ei! Vocês podem ser Goblins e tudo o mais, embora nunca tenha imaginado Goblins tão... humanos. Mas eu não sou nenhuma criança, eu já tenho 16 anos!
- Ta bom, pirralho, vamos logo ver o chefe – disse Brow pegando em seu braço e o conduzindo através da estação abandonada.
- Ai ai, me solta, eu sei andar sozinho!
- Então se comporte pirralho, ou não serei tão bonzinho! – disse entre dentes.
- Pega leve, Brow. Há tempos que não temos nada para fazer aqui. Desde aquela vez que um engraçadinho estava tentando fugir para o mundo dele, lembra?
- Ah, sim. Eu me lembro muito bem. Mas a gente deu um jeito nele...
- Ei, vocês dois! Dá para me explicar onde eu estou e porque diabos tem dois Goblins aqui?! – cortou Sérgio abruptamente.
- Olha só, até que esse sujeitinho tem a língua afiada! Explique pra ele então Blow, já que você gostou tanto desse pirralho.
- Bom, Sérgio... é meio difícil de explicar. Não acho que você vai acreditar logo de cara, mas você está em um mundo diferente do seu.
- Ta legal, eu acredito.
- Viu Brow, sabia que ele não ia... o quê?
- Ta legal, eu  acredito. Sempre achei que houvesse outros mundos além do meu mesmo. Outras dimensões, outros seres, outros futuros. Que bom que eu vim parar aqui! – finalmente expressou uma cara de felicidade.
- Brow... esse carinha é o sujeito mais estranho que já pisou nessa estação imunda! Gostei de você, garoto!
Não era difícil se acostumar com os Goblins. Tirando sua pele e sua postura, que era de quem tivesse alguns problemas ortopédicos, eles eram bem parecidos com os humanos. Sérgio descobriu que se encontrava em uma dimensão chamada Intersecção, pois era ali que os outros mundos se encontravam. Para ir encontrar o tal do chefe, eles precisariam pegar um outro trem, que era um portal, para o castelo dos Orcs.
- Sim, isso mesmo, Orks! Mas não com “c” garoto, não se esqueça. Com “k”, é assim que eles são chamados agora – Blow parecia ansioso por ter alguém para contar algo que sabia.
- Por quê? Desde que eu conheço Orcs é com a letra “c” !
- Algumas das coisas que você já viu sobre outros seres e mundos é verdade. De vez em quando alguém daqui vai pro seu mundo e espalha a verdade. Como ninguém acredita, não há muito problema. O problema é quando querem trazer gente pra cá...
- Por isso nós estamos aqui – ralhou Brow. Vamos logo com esse portal, Blow. Não gosto de ir pro castelo dos Orks.
- Bom, essa história fica pra depois então, garoto. Basta você saber que os Orks não são mais aquelas criaturas violentas que adoram destruição. Agora eles são “intelectuais”. Eles ganharam esse título já faz algum tempo, e aposto que todos eles adorariam te contar esta história.
Seguiram até um trem de um único vagão, que estava em uma plataforma oculta por uma pequena porta, que Sérgio nem notaria se não estivesse sendo guiado pelos dois. Assim que entraram no trem, Brow apertou uma sequência de números em um painel, e o trem começou a seguir viagem.
- Não vai demorar nadinha, meu chapa. Isso aqui é magia – disse Blow se gabando.
Dois minutos depois, Sérgio começou a suspeitar que algo estava errado. O trem estava funcionando como um trem normal, nada de mágico.
- Er... Brow... Acho que tem algo errado, não tem não?
- Calado! Está tudo perfeitamente nor...
Foi quando o trem, que já estava chacoalhando bastante, bateu em alguma coisa e tombou. Os Goblins voaram em direção a frente do trem, mas Sérgio pairou no ar flutuando, sem atingir nada e sem ser atingido. O trem girava ao seu redor, mas ele permanecia no ar, como se uma força estivesse segurando ele.
A parte inteira da frente do trem foi arrancada, e Sérgio teve uma das piores visões da sua vida. Cerca de seis criaturas estavam ali. Uma delas, a que estava no meio, e a que parecia mais humana, parecia ser um homem velho. Um velho que por si só já meteria medo em qualquer um, com seu comprido cabelo branco, embora fosse calvo no topo da cabeça. Seus olhos estavam tão encravados no crânio que nem poderiam ser visto, se não fossem amarelos. Suas vestes negras em farrapos esvoaçavam ao seu redor, embora não houvesse vento. Mas ele não assustava tanto assim no momento, pois Sérgio tinha outros cinco motivos para se preocupar.
Ele já vira inúmeros filmes de terror, com certeza. Já jogara vários jogos com fantasmas, também. Mas nada o deixaria preparado para aquelas criaturas. Os fantasmas da mente de Sérgio eram de um branco-transparente, e pareciam com seres humanos que haviam morrido. As criaturas que estavam ali só se assemelhavam a espíritos, pois flutuavam, e não eram tão “visíveis” quanto o resto. “Na verdade eles não eram transparentes, eles eram feitos de escuridão” foi o que pensou mais tarde. Eles não pareciam pessoas que haviam morrido. Eles pareciam monstros que haviam morrido, e retornado muito piores do que já foram.
Sérgio, que até então estava flutuando, caiu no chão, gritando. Seu grito despertou para a realidade os Goblins, que até então estavam no chão, sofrendo da pancada do trem. Juntos, eles gritaram “Grow!” enquanto levantaram a mão direita. O garoto percebeu que anéis emitiam uma luz forte, na mão de cada um deles. Depois de uma breve luz que cobriu os corpos deles, ambos vestiam uma armadura reluzente, azul e dourada, e seguravam espadas de fogo. “Legal!” foi o que pensou, mas não disse nada. Estava preocupado com as criaturas que começavam a subir no trem em direção a ele, quando os Goblins saltaram a frente e golpearam duas das criaturas-fantasma. As espadas de fogo pareceram atravessar as criaturas e dissipá-las, mas o velho mexeu as mãos em movimentos circulares, e as criaturas voltaram. Os Goblins partiram para cima do velho, que sem demonstrar nenhum sinal de que estava sob ataque, moveu as mãos como se estivesse afastando um mosquito, o que fez com que Blow e Brow voassem e colidissem com força contra a parede do trem.
- Eu vi você flutuando, rapaz – disse em um tom rouco o velho. Venha comigo.
-N-não! – disse Sérgio levantando-se. Ele tremia da cabeça aos pés.
- Neste caso, terei que levá-lo à força. Sinners, peguem ele! – o velho acenou a mão em direção à ele, e as criaturas-fantasma começaram a avançar até ele.
Ele olhou desesperado para os Goblins, mas estes estavam desacordados. Não havia ninguém para ajudá-lo, nada que ele pudesse fazer. “Ah se eu tivesse um daqueles anéis!” era só o que conseguia pensar.
Foi quando a porta do trem se abriu, como se o trem tivesse chegado em uma estação. Então subiu no trem uma garota de cabelos vermelhos, e vestes negras, mas não em frangalhos, como o velho. Suas vestes não eram negras como a escuridão, elas tinham um certo brilho impossível de se descrever. Sérgio não sentia medo ao olhar para ela, e sim algo parecido com uma adoração. Seria ela sua salvadora?
- Saia daqui, mago. E leve estas criaturas do mundo dos mortos com você!
- Quem você pensa que é para fazer alguma coisa, menina? Morra!
Então o velho colocou os braços à frente do corpo, cruzando-os em xis, e desceu-os rapidamente, cortando o ar à sua frente. Um vento muito forte foi em direção à garota misteriosa, mas quando chegou nela, foi bloqueado por uma parede invisível, sem ela ter sequer se movido.
- Só isso? Agora é a minha vez.
A garota estalou os dedos das duas mãos, em direção aos Sinners, e eles desapareceram, se esvaindo em fumaça.
- Agora você – disse ela começando a apontar o dedo indicador na direção do mago.
- Já obtive a informação de que precisava. Agora é tudo uma questão de tempo. – e assim que terminou de dizer, seu corpo inteiro se fundiu ao solo, deixando apenas rastros negros da maldosa aura que exalava.
- Ufa! Ainda bem que você chegou! – disse Sérgio. Ela se virou, então ele percebeu como ela era bonita, com seus cabelos vermelho-fogo e seus olhos de um verde brilhante. Quem é você?
- Me chamo Leila. Sou uma bruxa. E você seria...?
- Sérgio. Eu vim de outro mundo.
- Isso você não precisa nem comentar, da pra perceber pela sua cara – disse ela em tom brincalhão. Eu estava observando vocês.
- Com uma bola de cristal – perguntou ele, curioso.
-Não, tolinho, com isso – disse ela mostrando um pequeno espelho, que apareceu no ar quando ela abriu a mão. Esse pessoal que vem da sua dimensão é tão bobo, viu! – disse ela, rindo de um jeito simpático.
Leila foi até a dupla de Goblins, e fez alguns gestos com as mãos. Logo depois eles já levantavam, se recuperando. Havia algumas feridas em seus rostos, e a armadura estava um pouco amassada em alguns pontos, Sérgio reparou. Mas conforme eles voltavam a si, suas feridas estavam sendo curadas e a armadura desamassada, graças à bruxa.
- Sérgio, o que aconteceu? Obrigado, senhorita bruxa! Muito obrigado! – os Goblins diziam diversas vezes.
Sérgio contou o que aconteceu, incluindo a parte da sua levitação. Ao mencionar isso, todos olharam para ele com apreensão. Depois que ele terminou, os Goblins agradeceram mais algumas vezes à bruxa, mas ela parecia preocupada.
- Vocês estavam levando ele para os Orks? –disse ela.
- Sim, esse é o nosso trabalho – disse Brow.
 - Quem é o chefe de vocês?
- É o grande Grindelawf! – respondeu animado Blow.
- E isso é nome de Orc? – disse Sérgio. Parece nome de elfo!
- Isso não é nome de Orc com “c”, é nome de Ork com “k”. O pessoal do seu mundo que aparece por aqui vive fazendo confusão com isso – comentou Leila. Aposto que o Sr. Grindelawf contará com prazer a história dos Orks para você, se você puder conter sua curiosidade até lá.
- Ta legal então... vamos pra lá então? – o rapaz já começava a se animar com novas descobertas, e o terror que havia sentido com o mago já estava passando, agora que estava com Leila. Ela o fazia se sentir seguro.
- Não podemos ir, o trem está quebrado! – disse Blow.
- Meu caro Goblin, com quem você acha que está falando? – comentou ironicamente a moça. Sou uma bruxa, caso não tenha reparado.
- Sim, sim! Perdão, senhorita! É que nunca havia visto uma bruxa antes! Se me permite, pensava que elas eram mais...
- Mais parecidas com os magos? – cortou Leila.
- Er... sim. – disse Brow, meio sem jeito.
- Não se preocupe, querido. Não é a primeira vez que acontece isso, e nem será a última, pode escrever o que eu digo. O problema é que não há muitas bruxas. As pessoas não tem muito contato com as que existem, e por isso tendem a associar as bruxas com os magos. Essa ideia de que bruxa e mago são a mesma coisa veio lá do mundo dele – disse ela apontando para Sérgio.
- Mas então... qual é a diferença? – perguntou Sérgio.
Na hora em que ele perguntou, viu que acabara de dizer uma coisa ofensiva. Leila explicou que além da maldade que não havia nas bruxas, elas sabiam encantar objetos e sua magia era mais poderosa. Bruxas já nasciam bruxas, e magos eram simples humanos que aprenderam a usar a magia, mas que se voltaram para o mal.
- Houve apenas um humano do sexo masculino que nasceu com poderes. Normalmente o poder está ligado ao sexo da pessoa. Não existiam bruxos até que essa pessoa nasceu, apenas magos. Não se sabe muito sobre as origens do homem, mas sabe-se que ele já nasceu com poderes, e que ele não era mal. Diz-se que ele era um dos Elementais, mas isso pode ser mentira. Existem pessoas que duvidam da existência dos Elementais – nesta hora Blow e Brow olharam para os lados, constrangidos – quanto mais da existência de Loch. Mesmo dentre as bruxas, só se sabe que ele escolheu se tornar um mortal, mesmo tendo poderes. E que ele foi para o seu mundo, Sérgio.
- Haverá um tempo para histórias, mas a hora não é essa, e o lugar com certeza não é este – disse a bruxa. Vamos para a fortaleza Ork, ou como é mais conhecida, a Enterpriseum.
Leila tirou um colar de dentro das vestes, cujo pingente era em formato de gota, e estava em uma corrente de prata. Pediu para que todos se agrupassem em torno dela, e começou a dizer algumas palavras. Para Sérgio, parecia uma música em outra língua, pois havia certo ritmo naquilo. Ele começou a se sentir sonolento, e uma fumaça rosa começou a sair da ponta do colar, que ela girava sobre a cabeça. Envoltos em fumaça, se sentindo sonolentos, quando eles deram por si, a fumaça sumia e por trás dela aparecia um grande castelo, que era reluzente.
“Deve ser por volta de duas da tarde” pensou Sérgio. “Mas por que este castelo está tão reluzente?” ele não conseguia parar de pensar. Até que ele percebeu. O castelo era feito de vidro. Na verdade, o castelo lembrava um enorme edifício comercial.
- Vamos logo, temos que voltar logo para nosso posto Blow – resmungou Brow.
E assim atravessaram a entrada do grande castelo, não por uma ponte, mas por uma enorme porta de vidro.
Sérgio ficou estupefato. Nunca pensou que veria uma cena dessa na sua mente. Nada disso fazia sentido. Era algo inimaginável, até mesmo com tudo que tinha ouvido até então. Ele sabia que havia algo de diferente com os Orcs, que agora eram Orks com “k”, mas não esperava pelo que viu ao entrar. Orks andando de um lado para o outro em um grande saguão. Aquela imagem que ele tinha de orc, como um cara grande, forte, feio e ignorante, se desfez como areia no vento. Eles com certeza continuavam grandes e fortes, não se podia negar. Mas o garoto nunca imaginou que eles estariam todos vestindo terno e gravata. Nem que usariam óculos. Nem que alguns teriam franjas, ou chapéus. Ao invés de armas de batalha, eles carregavam montanhas de papel.
- Mas que diabos... – começou ele.
- Olha lá, cuidado com o que for falar, hein! – advertiu-o Leila. Enquanto os Goblins se acabavam de rir da expressão dele.
- Aposto que não esperava por essa, baixinho! – disse entre risos Brow.
- Vamos logo ver o chefe – disse tentando controlar seu riso Blow.
Sérgio, que não se movia, tamanho o choque, precisou ser conduzido pela bruxa até a recepção, junto com os Goblins.
- Estamos aqui pra ver o Grindelawf, somos empregados dele – já foi logo dizendo Brow para a recepcionista, que era a única não Ork visível.
- Sim, claro meu senhor! Devo anunciar quem?
- Diga a ele que os Goblins da estação encontraram mais um, ele vai entender.
- Só um momento, por favor. Enquanto ela se comunicava na sala do Sr. Grindelawf (Sérgio pensava na Enterpriseum cada vez mais como um prédio comercial), o garoto percebeu que por mais que a atendente fosse humana, ela não estava tão bem arrumada, como ele costumava ver as mulheres no seu mundo. Havia algo diferente nela, e embora ela aparentasse ter se arrumado, Sérgio não sabia dizer o que faltava nela.
- Prontinho senhores. Estão sendo aguardados na sala dele.
Enquanto subiam, o rapaz não conseguia tirar algo da cabeça dele. Sentia que algo ruim estava acontecendo. Ele ter sido atacado não poderia ter sido apenas uma coisa do outro mundo, por ser mágico, porque seus companheiros estavam agindo como se aquilo tivesse uma importância muito maior do que ele achava.
- Sejam bem-vindos, sejam bem-vindos! Eu sou Grindelawf, muito prazer. Sou um homem de negócios, então, por favor, não fiquem com rodeios, afinal tempo é dinheiro.
Sérgio teve a impressão de que estava conversando com o prefeito de alguma cidade. A julgar pelas roupas, este Ork era mais importante que os demais que andavam de um lado para o outro no saguão: seu terno mais bonito, e Grindelawf possuía sapatos lustrosos e um relógio de ouro polido. Seu ar de importância também era maior.
- Bom chefe, eu e o Blow estávamos nos nossos postos quando apareceu este rapazinho aqui...
Brow contou toda a história, incluindo a parte contada pelo garoto, sua levitação e a chegada de Leila. Grindelawf ficou extremamente interessado na levitação de Sérgio, e começou a analisá-lo mais de perto.
- Como é mesmo seu nome, garoto?
- Sérgio de Oliveira Silva – disse o rapaz dando um forte aperto de mão no Ork, que pareceu nem sentir sua mão sendo apertado.
- Certo, certo. O que você sabe do nosso mundo, Sérgio? Já te contaram muita coisa?
- Não muita coisa, senhor. Pra dizer a verdade, já me disseram que existe uma interessante história sobre os Orks e até agora não me contaram...
- E é realmente interessante esta história, meu jovem! – seu ar mudou completamente. Sente-se, sente-se, venha, vou lhe contar a incrível história Ork!
Servindo-se de um charuto, e fazendo todos se sentarem, Grindelawf parecia muito animado em poder contar a história.
- Vamos começar do começo, rapaz. Sei que seu mundo tem teorias sobre o início de tudo, mas é um pouco diferente da verdade. Foi assim que aconteceu:
“No princípio havia os Elementais. Espíritos mágicos com a essência dos elementos. Eles decidiram criar um reino, um lugar onde houvesse beleza e magia, um lugar magnífico e perfeito. Eles foram combinando seus poderes, e criaram tudo que existe hoje. Eram cinco os Elementais, cada um representado por um elemento: terra, ar, fogo, vento e trevas.  Eles viviam em harmonia em seu reino perfeito, com as criaturas criadas por eles. Mas o Elemental das trevas não estava satisfeito com sua porção do mundo. Ele não estava satisfeito com o pouco que sabia. Ele era ganancioso, e sabia que poderia ter mais, mas os outros Elementais estavam satisfeitos com aquilo. O Elemental das trevas começou a buscar conhecimento e poderes, e ele conseguiu. As criaturas criadas por eles herdavam suas principais características. Chegou uma hora que os Elementais entraram em conflito. Os quatro contra o das trevas. Só que ele estava tão poderoso, que ninguém conseguiu derrotá-lo. O máximo que conseguiram fazer foi bani-lo. As criaturas criadas por eles também entraram nesse conflito. Foi neste infeliz momento que os Orks ficaram com essa fama terrível. Nós fomos criados pelo Elemental das trevas, garoto.”
“Depois de décadas de batalha, os Elementais perceberam que nunca conseguiriam vencer o das trevas, e viram que o máximo que conseguiriam seria bani-lo para uma dimensão onde só houvesse trevas. O mundo das trevas. E foi o que eles fizeram, eles baniram nosso criador. Neste momento, nós conseguimos nos desprender dele. Foi um marco na história Ork, o momento em que nossa civilização não era mais escravizada pelo tirano Elemental! Só que como somos muito fortes, modéstia a parte, todos os outros povos tinham medo de nós. Desde aquela época, ficamos sem rumo, pois não éramos originalmente maus. Nosso criador nos exigiu que fossemos assim para ele, e assim nós fomos. Quando ele partiu, nós queríamos ajudar, queríamos progredir como civilização, mas havia tanto preconceito! Foram tempos difíceis, rapaz, ah se foram! Até que chegou a era do grande Morac. Viva Morac! (“viva!” disseram os Goblins)”
“Morac foi o Ork mais importante da história. Foi ele que lutou pelos nossos direitos, que percorreu diversas dimensões para levar seus conceitos, para mudar a maneira de pensar de todos. Ele que provou que os Orks são bons, e mais ainda, que não somos simplesmente ignorantes cheios de força. Morac nos tornou o que nós somos hoje. Hoje somos empresários, somos juízes, somos intelectuais. Temos pesquisadores, filósofos, médicos. Não nos envolvemos mais nessas atividades brutas que nos foram impostas tanto tempo atrás. Conseguimos nossa liberdade, e jamais voltaremos a ser aquilo que fomos um dia. Desde quando conseguimos o título de intelectuais, reconhecido pelos líderes das civilizações, mudamos o nome da nossa espécie de Orc, com “c”, para Ork, com “k”. Parece bobo, eu sei – disse em tom humorado. Mas não queríamos trocar o nome da espécie, ao mesmo tempo queríamos ser vistos de maneira diferente daquela cheia de preconceito. Bem, rapaz... acho que é isso! Uma história e tanto, diga a verdade!”
- Sim, é claro! Nossa, estou impressionado, senhor Grindelawf!
Ao ver de Leila, Sérgio estava ficando mais parecido com os Goblins do que com os humanos ou bruxas. Então ela se lembrou do motivo de ter seguido até ali, para falar com o Ork.
- Senhor Grindelawf, desculpe pela intromissão, mas preciso tratar de um assunto de extrema urgência com o senhor.
- Diga então, senhorita! – disse Grindelawf já retomando seu tom de negócios.
- O senhor ouviu a história do garoto, certo? – Sérgio ouviu e não gostou muito de ter sido chamado de garoto por Leila. Ouviu a parte em que ele disse ter levitado. Um garoto vindo do outro mundo, que não deveria ter magia nenhuma.
- Sim, senhorita. Eu também estava pensando nesta possibilidade. Um “jovem”, veja bem. Com o rosto marcado, assim como na profecia.
- Do que diabos vocês estão falando? – exigiu saber Sérgio.
- Meu jovem, existe uma antiga profecia... como eu estava lhe contando, a respeito dos Elementais...
- Discute-se a possibilidade de um sexto Elemental, Sérgio – interveio Leila. O Elemental da luz. Diz-se que foi ele quem aprisionou o das trevas, e que depois disso ele ficou sem poder. Todas as criaturas que ele criou morreram, é o que dizem... exceto uma. Lembra que lhe falei de Loch? Há quem acredite que ele é o Elemental que ficou sem poderes, e foi para outro mundo. Ou quem acredite que ele é a única criatura que restou do Elemental da luz. O que há certo consenso é que ele está ligado à luz. E ele deixou um herdeiro.
- Ou pelo menos é o que diz a profecia – interveio o Ork.
- Sim... – continuou a bruxa. Um oráculo, um ser mágico que viveu e morreu, e conseguiu retornar do mundo dos mortos. Não um pecador que foi trazido por um ritual, como os Sinners que você viu. Um oráculo é alguém que consegue sair do mundo dos mortos pelo seu próprio poder espiritual. Oráculos conseguem se comunicar entre os mundos, e conseguem ler nas entrelinhas destes mundos. Por isso as profecias deles na maioria das vezes se provam corretas. Um oráculo fez uma profecia, que dizia que o tempo de guerra viria. Que o Elemental das trevas se libertaria, e destruiria tudo, se não conseguissem impedi-lo. E o único que conseguiria fazer isso, seria quem descendesse do Elemental da luz. De acordo com o oráculo, o herdeiro do Elemental seria jovem, pareceria normal, sem poderes. Mas teria poderes ocultos, e seria reconhecido pelo rosto marcado. Por isso nós acreditamos que esse herdeiro pode ser você, Sérgio.
Diante de tantas informações, e de tamanha possibilidade, o rapaz não soube o que fazer. Depois de algum tempo sem dizer nada, com a cabeça baixa, ele repentinamente se levanta e diz:
- Eu sabia. Sempre soube. Eu sempre soube que era especial, e que aquela vida que eu vivia não era para mim. Agora sim eu sei que meu lugar é aqui, que eu sou importante, que é pra isso que eu nasci!
- Ok, ok. Que legal, muito bom – disse com um tom de ironia o Sr. Grindelawf.  Acontece que eu não acredito nessa baboseira toda de que o Elemental das trevas vai voltar, ou que já tenha voltado. É isso que estão dizendo por aí. Estão achando que quem mandou atacarem vocês no trem foi o Elemental? Absurdo, isso! Ridículo! Por que um Elemental iria perder seu tempo com isso? E outra coisa, é impossível para ele escapar de onde foi aprisionado. Para dizer a verdade, eu acredito que ele já deve até ter morrido lá no mundo das trevas, de tanto tempo que ele está lá. Mesmo eu não acreditando nessa história toda – acrescentou mudando para um tom mais profissional - é meu dever como intelectual conhecer a opinião alheia, e considerar ela no contexto geral. Devo encaminhá-los para o conselho geral Ork, para que eles tomem alguma decisão, se for preciso. Peço para que acompanhem Blow e Brow até o conselho.
Blow e Brow que estavam assistindo tudo até agora, se lembraram que não eram apenas espectadores, e se levantaram para seguir as ordens do seu chefe. Depois das orientações, eles levaram Sérgio e Leila até um saguão de espera, enquanto o conselho era reunido. Leila estava imersa em pensamentos, mas Sérgio parecia indignado.
- Como ele pode fazer descaso de mim?! Grindelawf me pareceu ser um cara inteligente, deveria me reconhecer como seu superior. Onde já se viu mandar 2 empregados me levarem para um conselho, e ainda quer que eu fique esperando! Eu, o descendente de Loch! – o rapaz andava de um lado para o outro, falando para quem quisesse ouvir.
Blow e Brow ouviram, e, assim como o chefe, não acreditavam muito nessa história. Eles já tinham ouvido falar de diversos ataques recentes, da guerra que estava explodindo em algumas regiões, contra as criaturas das trevas. Mas, assim como o chefe havia dito para eles, eles também achavam que isso era obra de algum mago que estava se achando importante demais que começou a dizer que na verdade era o Elemental das trevas. Blow já não gostava muito do garoto, mas Brow estava triste com essa arrogância dele.
Quando o conselho foi reunido, foi decidido que ele seria enviado ao encontro dos líderes dos outros povos. O povo Ork, como um povo racional, não acreditava naquilo, mas já que os outros acreditavam, seria injusto não entregar-lhes o escolhido pela profecia deles.
E assim foi, seguiram para a cidade central da dimensão Intersecção, a cidade de Trond. Lá havia uma grande quantidade de humanos não mágicos. Sérgio descobriu que eles viviam como pobres, morando nas ruas. Eram tratados como escória, e apenas algumas pessoas tentavam mudar isso. O povo Ork contratava alguns dos humanos, por exemplo (a mulher em Enterpriseum. Sérgio lembrou o que faltava nela, era maquiagem). Leila também tratava melhor os humanos.
Lá também estavam alguns elfos. E os elfos não eram exatamente como o rapaz imaginara. Na verdade, fisicamente eles eram idênticos aos elfos dos filmes e jogos que Sérgio estava acostumado. Enquanto esperavam a grande reunião com os líderes, alguns elfos estavam por ali.
- Olá – disse o rapaz, cumprimentando dois elfos que estavam conversando.
- Olá, bonitão! Você é o famoso jovem que todos estão falando? – perguntou um dos elfos.
- Sim, sou eu! – respondeu feliz com o elogio e o reconhecimento. Me falem sobre o seu povo.
- Ah, que coisa mais chata. Não tem muito pra saber sobre o nosso povo – respondeu o outro elfo. Os elfos são bem ligados com a natureza, de fato. Mas não só com isso. Nós gostamos das sensações, entende? A sensação de estar no meio da floresta, por exemplo. O ar puro, a grama nos pés...
- E também gostamos de nos relacionar com os seres vivos – completou o primeiro elfo. Tantos os animais, selvagens ou não, quanto alguns seres especiais.
- Seres que nem você – incrementou o segundo elfo, dando um ligeiro sorriso.
Sérgio, percebendo finalmente as intenções dos elfos, teve sua ideia dos elfos quebrada. Despedaçada, seria mais adequado. Ele sempre tivera os elfos, nos seus jogos, em alta conta. Eram seres fortes, belos, com sentidos aguçados. Nada daquilo que ele acabou de presenciar. Estava pensando em uma desculpa para fugir dali, quando Leila, que estava assistindo tudo de longe, e se divertindo com a cena, apiedou-se dele e decidiu ajudá-lo.
- Ei, escolhido, preciso tratar alguns assuntos urgentes com você antes do conselho!
- Bom, tenho que ir pra lá. Até logo – despediu-se o rapaz.
- Até mais, escolhido. Nos vemos por aí – disse o primeiro elfo.
- Tchau tchau – despediu-se o segundo elfo.
- O que achou dos elfos, senhor escolhido? – perguntou Leila quando eles haviam se afastado um pouco.
- Engraçadinha. Por que não me falou nada antes?
- E perder toda a diversão? Pra quê? – comentou rindo.
- Deixa isso pra lá, vai. Onde estão os Goblins?
- Eles foram embora. Não quiseram se despedir de você...
- Nossa, que descaso comigo! Da próxima vez que eu os vir vou fingir que não os conheço também – disse Sérgio emburrado.
- Ai ai... – respira fundo Leila.
- Ei... me fala de você, vai.
- O que é que tem eu? – perguntou espantada.
- De onde você é, por que você está aqui, coisas assim...
- Por que quer saber?
- Porque sim, ué.
- Ah, sim. Claro. Bom... – disse Leila meio encabulada. Não conheço meus pais. Vim para esta dimensão muito pequena, mas a bruxa que me criou disse que eu era de outro mundo. Isso é tudo o que eu sei.
Neste momento um humano veio correndo na direção deles, e avisou que o conselho dos líderes ia começar, e que era para os dois participarem. Eles seguiram até um salão fechado, no centro da cidade, e se encontraram com os líderes dos Ork, dos Goblins, das Bruxas, dos Elfos, e até um dos humanos.
Depois de alguma discussão e resistência por parte dos Orks, que acreditavam que essa história toda era uma bobagem, mas acabaram abrindo mão para agradar os outros presente, ficou decidido que iriam consultar o oráculo para descobrir onde o Elemental das trevas iria aparecer quando viesse destruí-los, e até lá Sérgio deveria treinar magia com Leila, para poder enfrentá-lo.
Foi organizada uma expedição de vinte Goblins até a montanha onde vive o oráculo, e horas depois, apenas um deles retornou, quase morto.
De acordo com o relato do Goblin, a expedição conseguiu chegar até a montanha e falar com o oráculo. O oráculo disse que o Elemental das trevas iria atacar naquela noite. A travessia seria no portal do deserto de Caal. Quando questionado a respeito do escolhido, o oráculo disse que não havia necessidade de treinamento. Que na hora certa, o descendente do Elemental da luz iria saber o que fazer, afinal estava no sangue dele.
Quando estavam descendo a montanha a caminho de casa, apareceram os generais caveira, seguidos pelos Sinners. Houve um massacre, e toda a comitiva deu suporte para que um único Goblin conseguisse voltar com a mensagem tão importante. Quando só restava ele, e mesmo com o suporte iam matá-lo, todas as criaturas sumiram, como se tivessem sido chamadas de volta.
Sérgio, que estava tentando aprender magia com Leila, embora sem sucesso, estava muito preocupado sobre o que fazer naquela noite.
- O que eu vou fazer contra o Elemental mais poderoso de todos? Eu não vou conseguir, eu não consigo fazer nada direito!
- Relaxa, cara. O oráculo disse: “Na hora certa, o descendente do Elemental da luz vai saber o que fazer”. É só fazer o que te der na telha!
- Leila, onde estão os outros Elementais? Eles poderiam ajudar, não é?
- Sinto lhe dizer, Sérgio... Os Elementais deram sua força de vida para manter vivo o mundo que eles criaram. Eles estão dentro de cada coisa deste e dos outros mundos. O Elemental das trevas só não está na mesma situação pois ele retira a energia vital de tudo ao seu redor para manter-se vivo.
Sentindo-se totalmente despreparado, Sérgio foi fazer os preparativos para a noite.
Uma grande comitiva montada de Goblins, Elfos, Humanos e alguns Orks, que disseram que só iriam para assistir, pois não participavam mais de guerras, se preparava para partir para o deserto. Eles iriam usar o portal para lá, e esperar até a suposta chegada do Elemental.
Todos estavam armados com objetos mágicos: espadas de fogo ou gelo, armaduras resistentes à chamas de dragão, arcos que atiravam flechas de fogo, escudos feitos do minério mais resistente. Mesmo os humanos estavam com algumas armaduras e armas, embora nenhuma delas mágica.
Sérgio ganhou um elmo especial, que quando se abaixava a viseira, se tornava invisível. A ideia era que ele deveria chegar bem perto do Elemental sem ser visto, para então acabar com ele. Simples de dizer. Quase impossível de se fazer, de acordo com o garoto.
A grande comitiva se preparou e atravessou o portal. Lado a lado iam Leila e Sérgio. Chegaram com antecedência, e se posicionaram esperando a chegada do inimigo. À frente de todos liderava o capitão Ork, embora não quisesse entrar na batalha, Molak, descendente de Morac, o grande.
Exatamente na hora que o oráculo previu, o portal se abriu. Mas não saiu o Elemental. Não ainda. Começou a sair uma fila de Sinners que foi formando um enorme círculo em volta do portal. Logo em seguida saíram vários magos, e depois alguns generais caveira, que eram esqueletos com armaduras feitas com ossos, com olhos brilhantes e envoltos em capas de escuridão.
Mas o Elemental não atravessou o portal.
Ouviu-se uma voz rasgando o vento, dando ordens em uma língua ininteligível para qualquer pessoa que não estivesse do lado das trevas. Os generais começaram a ordenar ataques em direção à comitiva, os Sinners indo por cima e os magos atacando de frente. Felizmente os escudos mágicos eram muito bons, mas logo eles começariam a rachar.
Os elfos estavam utilizando arcos de fogo. Sua pontaria era excelente. Os Sinners sumiam do céu como bolhas de sabão sendo estouradas. Em alguns momentos os Sinners haviam desaparecido, e os goblins estavam em cima dos magos para que estes não conjurassem os espíritos de volta. Então os caveiras, montados em cavalos que eram apenas ossos, galoparam em direção aos Goblins. Até mesmo suas espadas eram de ossos, mas não eram simples ossos. Eram ossos inquebráveis. Nada, nem mesmo magia, conseguia quebrar as armas e armaduras desses generais.
Mais da metade dos Goblins já havia morrido, quando o Elemental decidiu que era a hora de atravessar o portal.
Um estrondo gigantesco estourou nos tímpanos de todos ali presentes. Era como se o próprio universo estivesse rasgando. Uma sombra mais escura que a própria escuridão, uma sombra que causa desespero e solidão apenas de se olhá-la, uma maldade pura, imensurável, surgia diante do portal. Então toda essa sombra se convergiu em uma forma mais distinta. A sombra tomou a forma de um ceifador com imensas asas negras, e uma foice descomunal.
Um silêncio recaiu na batalha, e todos, mesmo batalhando, congelaram diante da presença do Elemental.
- Elemental das trevas, então é você?! – gritou com a voz tremula o capitão Ork.
- Vejo que és uma de minhas criaturas, Orc. Junte-se a mim.
- N-não! Minha raça jamais irá se curvar perante a tu novamente, maldito!
- Eu conheço seu coração, Orc. E também vejo o coração de todos neste mundo. Por que acham que consegui sair de onde estava aprisionado? Foi porque as trevas estão tomando conta deste mundo por dentro. As trevas saem de dentro de vocês. Vejam só, os Orcs se colocam no topo da sociedade. São odiados por todos. Veja as trevas no coração dos Goblins, que são mandados sempre pelos Orcs. Os elfos odeiam os Orcs e humanos, pois estes destroem tudo que é da natureza, em benefício próprio. Os humanos odeiam a todos que os maltratam como se fossem lixo. E os Orcs... os Orcs odeiam a si mesmos. Odeiam a si mesmos por serem descendentes das trevas, e pelo seu passado nunca superado. Porque não se envolveram mais em batalhas, me responda capitão? Não foi seu intelecto que disse que batalhas são erradas, foi seu medo de voltar a gostar de matar que não os deixam mais guerrear!
- Todos vocês, curvem-se perante a mim. Prefiro convertê-los em meus súditos do que matá-los. Embora seja extremamente prazeroso fazer isso. Os que não se curvarem eu matarei sem dó nem piedade.
A maioria esmagadora das criaturas ali presentes começou a se curvar. Era agora ou nunca. Sérgio abaixou a viseira do elmo e, invisível, se esgueirou até que estivesse bem próximo do Elemental. Seguindo seus instintos, quando estava alguns metros logo a frente do Elemental, preparava-se para tirar o elmo, mas algo estava errado. O Elemental estava olhando para ele.
- Onde pensa que vai deste jeito, garotinho?
Sérgio congelou. O Elemental conseguia ver ele, é claro. Um ser tão poderoso não poderia ser enganado por uma magia tão simples. Então ele arrancou o elmo da cabeça, mas já não tinha instinto nenhum para seguir.
- Eu vejo seu coração, garoto. Você pensa que é alguém importante. Mais do que isso, você quer ser importante. Mas você não é. Você não passa de lixo, e está tentando atrapalhar os meus planos.
“Se não tenho instinto, vou tentar fazer o que vi aquele mago fazendo com as mãos” foi o que o jovem pensou. Ele agitou suas mãos contra o Elemental, mas nada aconteceu.
O Elemental preparou-se mirando a foice na direção de Sérgio. Quando estava quase completando o movimento com a foice, foi atingido por um vento forte, que fez com que o golpe da foice lançasse uma enorme sombra que destruía tudo que tocada, aos pés de Sérgio. O chão explodiu, e tudo ao redor voou. Mas o garoto começou a flutuar, e nada o atingiu, assim como daquela vez no trem.
O golpe de ar que atingiu o Elemental foi lançado por Leila. Ela vinha correndo na direção dos dois, mas o Elemental tinha outros planos. Ele começou a desferir golpes com a foice no ar, em todas as direções. Enormes ondas de escuridão eram lançadas sobre o solo, e matavam tudo que encontrava pelo caminho. Tanto inimigos quanto aliados pereceram nessa hora, e apenas ao fundo restaram os Orks, pois estavam mais longe da batalha, incluindo o capitão que conseguiu recuar a tempo.
Várias coisas aconteceram neste momento: Sérgio não foi atingido pela onda de escuridão pois estava flutuando. Logo após isso ele caiu no chão.
Os Orks ficaram enfurecidos e rasgaram seus ternos, chapéus e sapatos. Por baixo das roupas eles estavam de armadura, e cada charuto, cada óculos, cada relógio de ouro se transformou em um tipo de arma diferente, em geral clavas e porretes, e eles saíram ensandecidos em direção ao Elemental, que lançou mais ondas de escuridão. Alguns Orks subiam nas costas de outros, todos trabalhando em grupo se sacrificando para dar oportunidade de ataque para seus companheiros. Mas não havia muitos Orks. Por isso, apenas Molak conseguiu chegar até o Elemental e desferir um golpe, com toda a fúria de sua raça. O golpe rasgou o Elemental ao meio, e por um momento o tempo parecia ter parado. Até que Molak ouviu uma risada. O Elemental estava rindo, mesmo separado em dois. Suas duas partes foram voltando a se tornar uma, voltando a ser uma única sombra, enquanto ele dizia:
- Achava que seria tão fácil assim derrotar um imortal, Orc? Eu sou seu criador, você nunca conseguirá me derrotar. Aceite este fato. Eu sou as trevas, enquanto houver trevas eu vou existir. Você tem trevas, enquanto você viver, eu vou viver.
E algo mais aconteceu. Algo que no calor da batalha não pode ser notado. Leila, que corria em direção à Sérgio e o Elemental, estava perto de um grupo de Humanos, quando as ondas de escuridão estavam para eliminar a raça Humana daquele mundo. Foi então que ela abriu os braços de frente e virou o rosto, recebendo todo o impacto. Mais do que isso, ela absorveu o impacto que atingiria todo aquele grupo. Os humanos sobreviveram, e Leila caiu no chão, com o rosto cortado. Havia um profundo corte em seu rosto.
Sérgio assistiu à tudo isso sem reação.
O Elemental voltou a se juntar, e estava prestes a desferir o golpe final em Molak, quando foi atingido por um raio de luz, que desfez as trevas que formavam a foice.
Leila havia se levantado, e seu corpo inteiro estava brilhando.
Com seu rosto marcado pelo corte que ainda sangrava, uma garota com aparência Humana, que veio do mundo Humano e não deveria ter magia, mas era uma bruxa. Leila era a descendente do Elemental da Luz.
- Você não irá destruir este mundo, Trevas.
- Então era aí que você estava escondido, Luz?
- Eu não estava escondido, eu estava esperando a hora certa.
- Você vai me aprisionar novamente?
- Claro que vou.
- Nada irá me impedir de retornar. Vocês podem tentar fortalecer o coração dos seres, mas sempre haverá aqueles que guardam as trevas no seu íntimo.
- Eu sei que sim, mas irei te aprisionar mais uma vez. Depois disso eu esperarei. E quando você retornar, porque eu sei que você vai, eu vou te aprisionar mais uma vez. E quantas vezes forem necessárias.
- Um dia eu conseguirei atingir meu objetivo, Luz.
- Não, não irá. Pois você também sabe. No coração dos seres pode existir trevas. Mas sempre haverá luz.
E com esta frase, Leila se lançou para cima do Elemental, e tão intensa era a luz que emanava de Leila, que o Elemental se desfez e cada escuridão naquele lugar desapareceu.
Pelo menos por um tempo, as trevas estavam aprisionadas novamente.

***



Sérgio se levantou. Ele não acreditava no que tinha acontecido. Leila era a descendente da luz, não ele. Ele tinha trevas no seu coração. Ele fora egoísta, prepotente, tratou com descaso quem lhe ajudou. E só agora ele via isso.
Leila havia sumido junto com as trevas. Ele iria sentir falta dela.
Molak conduziu-o de volta a estação na qual ele havia desembarcado na dimensão Intersecção. Ele estava esperando o trem, e quando este apareceu, ele entrou.
Havia pessoas neste trem. Tudo estava normal. Terá sido um sonho? Sérgio sabe que não. Ele não irá esquecer nada do que passou ali. Mas não irá contar para os outros, tampouco. Não porque não irão acreditar nele. Mas porque quem contaria as trevas que tem dentro de si?
Mas Sérgio se sentia um pouco melhor. Talvez não sentisse tanta falta assim de Leila. Afinal de contas, ela era Luz. Ela não havia desaparecido. Ela estava dentro dele.
E da próxima vez que Trevas tentasse tomar o poder, ele estaria pronto. Ele seria Luz.

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